Atos Humanos: Mais que um livro, um tributo e um grito

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 A história não é um conjunto de fatos soltos no tempo. A história não é só memória morando em palavras e fotografias. A história nem sempre tem o nome, o sobrenome e o rosto de todos gravados em destaque. Por sua vez, no livro “Atos Humanos”, a história é voz, mas uma voz que não vem sozinha, vem acompanhada de um coro de vozes silenciadas ao longo das injustiças que o tempo não apaga. Ler “Atos Humanos” é se deparar com vozes que falam em nome dos que não foram ouvidos, e de que por isso, não são lembrados. “Atos Humanos” aumenta o volume da história que não deve ser esquecida e nem tão pouco sussurrada em poucas páginas. Por esse motivo, esse livro não fala baixo, não tem capítulos fáceis e não se propõe a ser uma simples leitura.

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O livro “Atos Humanos”, obra de Han Kang, autora sul-coreana que venceu o Prêmio Nobel de Literatura em 2024, não se limita a ser apenas uma obra de literária, porque também projeta para o mundo uma sequência de fatos e dores que nos transportam para maio de 1980: um mês que nunca terminou e uma dor que nunca vai deixar de doer. Esse período é um pedaço traumático que a ditadura militar produziu e que a lei dos homens não puniu a tempo de salvar vidas. O assassinato brutal de centenas de universitários, operários e outros civis em Gwangju, cidade do sudoeste da Coreia do Sul, se mantém ferindo uma geração e impactando no desenvolvimento de outras. Essa parte do passado dessa cidade, e consequentemente do país, nunca deixou de sangrar. Essa ferida distante, que perdura no outro lado do planeta, nos alcança aqui no Brasil e nos ensina que liberdade, justiça e direito à vida nunca serão uma causa ganha. Sempre será necessário protegê-la para não perdê-la.


Sinopse

Atos Humanos” apresenta a jornada do jovem Dongho, um sobrevivente que lida com a imagem e o cheiro da barbaridade provocada pela política autoritária e militar da década de 80. Mesmo sendo um adoslecente de 15 anos, ele é testemunha e vítima da crueldade fatal em Gwangju. Dongho se depara com a morte em seu estágio coletivo e devastador. Olhar para tantos corpos silenciados para sempre, era como matar um pouco da sua inocência junto. A culpa por ainda viver em meio a tantos que morreram, alimenta em Dongho uma dívida que nem ele sabe como pagar. Tomar para si a responsabilidade de listar aqueles mortos, era como escrever por um, mas sentir por todos. Era uma dor individual e ao mesmo tempo coletiva.

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Dongho escrevia calando o que sentia, sofrendo pelo fim de cada nome e respirando uma resiliência adulta em um corpo de menino. Encarar os efeitos da brutalidade sacrificava a ingenuidade dele. Olhar para os corpos com marcas de violência, faz ele revisitar memórias dolorosas e soltar um pouco da esperança e da fé que ainda carregava. Por intermédio de flashbacks, Dongho volta a sofrer por seu amigo e com as cenas cruéis que o apertam por dentro. Os momentos naquele ginásio dói nele e no leitor, acelera seu coração e o nosso. Parece que aquele lugar sempre terá uma parte dele e de todos que entrarem em contato com essa história. Tudo isso só acontece porque “Atos Humanos” desenha uma linha tênue entre livro e leitor, nos levando para perto daqueles que tiveram sua integridade violada e vida cessada. Todo o tempo do mundo ainda seria insuficiente para curar as consequências que o terror daquele mês deixou na sociedade de Gwangju.


"Ator Humanos" não é um livro fácil

Percorrer os parágrafos de cada capítulo foi um misto de medo e angústia pela certeza de que humanos são capazes de atos monstruosos. A sequência de perdas em “Atos Humanos” vem por todos os lados e de todas as formas. Cercados por essa intensidade dura e realista, vamos refletindo e nos compadecendo por cada personagem, assim como por cada vítima do massacre em Gwangju. Algo em nós não deve sair das páginas de “Atos Humanos” da mesma forma que entrou. Nada nessa história fica em silêncio, então também não devemos ficar. Todo sentimento que ela desperta nos diz muito, então ao terminá-la é necessário somar nossa voz ao coro das que seguirão falando em nome dos que não estão mais aqui. Não é porque está no passado que acabou. Quando a dor te puxa para trás, seguir em frente não é só uma questão de escolha ou vontade.

Virar a última página de “Atos Humanos” foi começar a olhar a vida por uma outra perspectiva. Fechar esse livro me fez abrir os olhos para muitas coisas em mim, no meu país, na Coreia do Sul e no mundo. Diante de tudo que foi lido e sentido, brota uma única certeza: precisamos ser parte dos que falam e fazem não só por si, mas por todos. Que nossos atos sejam de fato uma sequência de passos para que mudanças boas e reais realmente aconteçam.


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Um texto de Cida Silva, criadora do Blog aqueCida

BOAS HISTÓRIAS PARA AQUECER SUA VIDA

Comentários

Boas histórias para aquecer a vida!